Publicada Sexta-feira, 17/01/2020
GOVERNO
Roberto Alvim é demitido da Secretaria de Cultura após citação nazista
Mais cedo, o ainda secretário disse que Bolsonaro não teria visto "má intenção" na citação. Confederação israelita disse que menção a ministro de Hitler é "sinal assustador"

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ão Paulo – A Secretaria Especial da Cultura informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o secretário Roberto Alvim foi demitido. A informação é do jornal Folha de S.Paulo. Ele publicou nesta quinta-feira (16) um vídeo no qual parafraseia um trecho de um discurso do ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebbels. Desde a sua publicação, o vídeo recebeu duras críticas pelas redes sociais. Além disso, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pediu na manhã de hoje (17) a sua saída “urgente” do cargo”.

Antes, Alvim, disse que conversou com o presidente Jair Bolsonaro na manhã desta sexta-feira. “Ele (Bolsonaro) entendeu que não houve má intencionalidade e que eu não sabia a origem da menção”, afirmou em entrevista ao programa Chamada Geral da rádio GaúchaZH. O Palácio do Planalto também havia afirmado, em nota, que não iria se manifestar sobre o assunto.

Mais cedo, antes da divulgação do vídeo pela Secretaria Especial de Cultura, Bolsonaro havia elogiado Roberto Alvim em uma transmissão via Facebook. “Depois de décadas, agora temos sim um secretário de Cultura de verdade, que atende o interesse da maioria da população brasileira, população conservadora e cristã. Muito obrigado por ter aceito essa missão. Você sabia que não ia ser fácil”, disse o presidente.

Pelas redes sociais, Alvim atribuiu à polêmica à esquerda, que estaria promovendo “uma falácia de associação remota”. “Todo o discurso foi baseado num ideal nacionalista para a Arte brasileira, e houve uma coincidência com UMA frase de um discurso de Goebbles… não o citei e JAMAIS o faria. Foi, como eu disse, uma coincidência retórica. Mas a frase em si é perfeita: heroísmo e aspirações do povo é o que queremos ver na Arte nacional”, escreveu Alvim.

A Confederação Israelita do Brasil (Conib), também em nota, disse considerar “inaceitável” o uso de discurso nazista pelo secretário. “Emular a visão do ministro da Propaganda nazista de Hitler, Joseph Goebbels, é um sinal assustador da sua visão de cultura, que deve ser combatida e contida”.

Ainda na noite de quinta, o escritor Olavo de Carvalho, ideólogo dos bolsonaristas, disse que “talvez” Alvim “não estivesse muito bem da cabeça”. Hoje, ele disse que ou o secretário “pirou” ou “algum assessor petista” teria enxertado a frase de Goebbels no seu discurso, como forma de “assassinar” a sua reputação. Na sequência,  afirmou que a frase de cunho “nacionalismo estatal ao estilo getulista” seria “completamente estranho, se não francamente hostil, ao espírito desestatizante do governo Bolsonaro”. “É tudo muito doido”, acrescentou. Mais tarde, voltou a considerar a participação de um um assessor “infiltrado”, reforçando a confusão.

Em abril, durante visita a Israel, Bolsonaro disse que “sem dúvidas” o nazismo foi um movimento de esquerda, adotando a tese revisionista propagada também pelo seu chanceler Ernesto Araújo. A tese é contestada não apenas pela comunidade acadêmica, como também pelo próprio Estado alemão, que reconhece o movimento liderado por Adolf Hitler como filiado à ideologia da extrema-direita.

Secretário da Cultura escancara ‘inspiração fascista’ do governo Bolsonaro, diz cientista político

Ministro de Hitler também se utilizava da propaganda para convencer a população de seus atos absurdos, pregando o extermínio dos indesejados
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"Para quem não sabe, os nazistas não rasgaram a Constituição, não deram um golpe"

São Paulo – Segundo o cientista político Paulo Niccoli Ramirez, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), o discurso do secretário especial de Cultura, com alusão ao ministro da Propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, desnuda o viés fascista do governo do presidente Jair Bolsonaro. Ele também destaca o papel da imprensa na ascensão dos governos totalitários, auxiliando na produção de consensos a favor das forças políticas no poder ao mesmo tempo que deslegitima a oposição.

“É difícil acreditar que tenha sido mera coincidência essa correspondência entre as frases”, afirma Ramirez ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta sexta-feira (17), sobre a fala de Alvim. “Pode-se dizer que é um governo de inspiração fascista, desde o início do processo eleitoral. Para quem não sabe, os nazistas não rasgaram a Constituição, não deram um golpe. Foram eleitos democraticamente, alcançando maioria no parlamento alemão. Foi por vias democráticas que o nazismo foi possível”, alertou.

O professor sugere o documentário Arquitetura da Destruição, do diretor sueco Peter Cohen, (disponível no Youtube) sobre o funcionamento da máquina de propaganda nazista. “Mostra o que foi o ministério do Goebbels e como os nazistas utilizaram a propaganda para convencer a população dos seus absurdos, dentre eles a eliminação de judeus, deficientes, homossexuais e pessoas de esquerda. O que não é muito diferente do discurso de Bolsonaro.”

Ramirez também cita a célebre frase de Goebbels, afirmando que bastava repetir uma mentira para se tornar verdade, ao tratar da estratégia utilizada não apenas por Bolsonaro, como também pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, com declarações absurdas que confundem ficção com realidade. “Ficção” foi, por exemplo, como Bolsonaro reagiu à indicação ao Oscar do documentário Democracia em Vertigem, que retrata o golpe do impeachment contra a ex-presidenta Dilma Rousseff. “Outros tantos meios de comunicação concordaram com esse tipo de interpretação, inclusive também partidos políticos, como o PSDB. À medida que você deslegitima a oposição, ao mesmo tempo, legitima a violência, o cerceamento da liberdade de expressão e de intelecto de cada indivíduo”, afirmou.